segunda-feira, 16 de março de 2015

Um fim de semana cinzento de sol



16 de Março

Daqui a uns anos quando leres este diário, Luísa, talvez notes que durante uns dias a mãe não escreveu. Escrever e falar da nossa jornada é uma terapia, mas este fim de semana não deu, não consegui. A neura começou a moer na sexta à noite e sábado instalou-se por completo.

Quando acordei e vi o sol lindo que estava lá fora apeteceu-me tanto, mas tanto andar na rua, passear, respirar ar fresco e não este ar quente de trópicos falsos. Senti uma inveja tão grande (a inveja é um sentimento feio, Luísa…) das pessoas que via na rua pela janela e desejei tanto, mas tanto puder caminhar e estar a fazer o mesmo que elas.

Começou então a crescer em mim uma inquietação, um desespero. Doía-me estar aqui dentro. E já estou farta de frases feitas, como “é tudo por uma boa causa”. Não sou a Madre Teresa de Calcutá (nem ambiciono) e há dias em que apetece mandar tudo às favas. Ser incubadora humana custa horrores, às vezes…quase sempre.

Mas pronto o dia foi passando e lá fui amassando os sentimentos.

O domingo chegou e de novo o sol radiante lá fora. Não ia ser fácil aguentar mais um dia encerrada neste quarto. Muitas pessoas não têm noção, mas nós nunca passamos se quer da porta do nosso quarto para fora pelo nosso pé. Só saímos para ir fazer exames e vamos na cama ou de cadeira de rodas.

O dia começa sempre com os traçados (já estamos tãoooo saturadas de os fazer três vezes ao dia). Eu estava naqueles dias em que não queria ver ninguém, não queria falar com ninguém, mas quando se está num quarto com outras pessoas isso é impossível.
À ronda das médicas, a minha colega da frente que a tanto custo tinha conseguido conquistar o repouso relativo (ir tomar banho e fazer xixi) foi informada, que por ter sangrado durante a noite, ia voltar ao repouso absoluto (não sair da cama para NADA). Ninguém imagina como custa tomar banho na cama e ter de chamar sempre as auxiliares com a aparadeira sempre que se quer fazer xixi, dia após dia. A tristeza dela desfez-se em lágrimas e abriu as portas da minha.

Tudo o que tinha atafulhado cá para dentro saiu para fora sem controlo. Chorei a tomar banho, deitei-me na cama e continuei a chorar. E quanto mais tentava parar mais chorava e mais nervosa ficava. Estava quase a mandar uma mensagem à minha mãe a dizer para o meu pai não me vir ver de manhã, quando ele me aparece quarto dentro. Já sabia que ele ia ficar com o coração nas mãos. Não consegue ver-me a chorar ou triste. O coração quebra. Lá tentou animar-me um bocado, mas não foi fácil.

Quando se foi embora mandei uma mensagem à minha mãe a dizer que não queria visitas, não estava em condições, não ia atender o telemóvel a ninguém. Só aceitava ver os meus pais e o J.
O almoço foi comido a custo e pedi desculpa pela minha versão Maria Madalena às minhas colegas de quarto, que foram umas companheiras de ouro, porque mesmo me vendo assim não me tentaram animar com aquelas frases feitas e respeitaram o meu espaço e o meu estado de espírito.

De tarde só veio então o J. e a minha mãe, que me esteve a mostrar as coisas que tinha comprado no dia anterior e que ainda me estavam a faltar no enxoval.
Lá me foram conseguindo distrair e a tristeza foi-se indo embora, devagarinho.

Há mais de um mês que a minha vida (que já nem é minha) gira à volta de ti, Luísa. A nossa aldeia tem-se desdobrado em apoio e ajudas, mas ninguém sente na pele como eu. Não é querer fazer-me de vítima nem culpar-te por isto, mas nunca gostei de guardar emoções e quando as guardo depois fico como que descompensada. Sempre tive o coração na boca e para continuar bem tem de ser assim. Há demasiada coisa que me assusta, que me preocupa, que me deixa insegura neste processo todo, filha.
Depois estou cansada de andar de pijama o dia inteiro, de não caminhar mais de 20 passos, de fazer traçados três vezes ao dia, de ter sobressaltos a cada hora, de ser a primeira barreira a levar com as más notícias (mas as boas também), de ver as pessoas a irem e a virem e eu continuar aqui.

É muito duro lidar com isto tudo e, sobretudo, num lindo dia de sol, mas dias mais positivos virão.

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